ESPECIALIZAÇÃO EM REALIDADE BRASILEIRA – UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL

Por Mirian Kunrath
Foto: Thiarles França

Passados quase seis meses da primeira etapa, os acadêmicos e acadêmicas da Especialização em Realidade Brasileira retornaram para a segunda etapa de formação, que ocorreu entre os dias 16 a 25 de Julho, no CEAGRO – Vila Velha, município de Rio Bonito do Iguaçu/PR.

A turma é composta por Acadêmicos oriundos de diversas regiões do Estado do Paraná e de Santa Catarina, em sua maioria pessoas ligadas a organizações sociais como APP- Sindicato, Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA, Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, além de acadêmicos sem vínculos orgânico social. O curso tem como objetivo compreender a realidade brasileira com base nos clássicos brasileiros, com abordagem nas diversas áreas e perspectivas.

Durante esta segunda etapa os autores estudados foram Milton Santos, compreendendo os conceitos de Espaço e Território, Gilberto Freire, Sergio Buarque de Holanda e Darci Ribeiro, para compreender a formação do povo brasileiro, e Guilherme Delgado, com o conceito de Agronegócio. Além dos autores estudados, a turma contou com aulas ministradas por Carlos Frederico Marés de Souza Filho, que trabalhou conceitos relacionados ao Direito Agrário.

Para entender mais sobre a realidade e compreende-la, a turma saiu das atividades teóricas e contou com experiências práticas dentre as quais se destacam uma caminhada para conhecer a Vila Velha e um pouco da sua história, e a Visita aos Acampamentos Herdeiros da Terra de 1º de Maio em Rio Bonito do Iguaçu e Dom Tomás Balduíno em Quedas do Iguaçu, ambos organizados pelo MST.

Edição Jaine Amorin

 

A construção das Escolas Itinerantes: A educação no MST

Matéria Também Publicada no Jornal Impresso Terra Vermelha

Por Jaqueline Bueno

As Escolas Itinerantes são construídas em espaços de luta e resistência do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Essas escolas possuem como intuito garantir os processos de educação em espaços de disputa, os acampamentos. Com organização e coletividade garantem as condições necessárias para que toda criança tenha acesso a escolarização desde a educação infantil até o ensino médio.

Com isso, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ao longo dos seus 34 anos de história, vem se propondo a construir uma educação que perpasse o âmbito formal da escola pública. Além disso, as Escolas Itinerantes foram criadas para que acompanhassem a luta das famílias e seu movimento.

Foto: Danielson Postinguer/Comunicação-MST

Além, de serem frutos da necessidade concreta de ter condições de acessar o conhecimento historicamente acumulado, justamente no espaço em que vivem, também foi possível construir uma própria pedagogia em pensar os processos educativos.

Desse modo, as Escolas Itinerantes fazem parte do MST, porque cultivam práticas e concepções de educação que se aproximam dos seus objetivos de luta. Logo, trazem o vínculo com a “Pedagogia do Movimento” e, esta que, por sua vez traz reflexões específicas na sua concepção de educação com “base histórica, materialista e dialética para a qual é preciso considerar centralmente as condições de existência social em que cada ser humano se forma” (FREITAS, SAPELLI, CALDART, 2013, p.12).

Além da proposta curricular experimentada atualmente, chamada de Complexos de Estudo, as escolas de acampamento possuem uma dinâmica de organização que está em sintonia com os princípios do MST, por uma concepção de educação alicerçada na formação de lutadores e construtores de uma nova ordem social.

Foto: Danielson Postinguer/Comunicação-MST

As Escolas Itinerantes são autorizadas institucionalmente pelo Estado. A primeira escola de acampamento surgiu no estado do Rio Grande do Sul no ano de 1996, e alguns anos depois passaram a funcionar em mais cinco estados brasileiros sendo estes; Paraná (2003), Santa Catarina (2004), Goiás (2005), Alagoas (2005) e Piauí (2008). Mas, destes estados citados acima, apenas o Paraná e o Piauí, possuem Escolas Itinerantes em seus acampamentos. No Paraná, foram legalizadas em 2003, pelo Conselho Estadual do Paraná (CEE).

Na região centro do Paraná, a Escola Itinerante Herdeiros do Saber foi construída em 2014, com a ocupação de um dos maiores latifúndios de terra em Rio Bonito do Iguaçu utilizados de forma improdutiva pela empresa Araupel S.A (madeireira de celulose). Em 2015, o MST ocupa o restante da fazenda que corresponde área dessa mesma empresa, mas em Quedas do Iguaçu e constrói a Escola Itinerante Vagner Lopes.

Essas escolas possuem forte vínculo com a luta pela educação do campo, pois consolidam em suas práticas pedagógicas o estudo da história, do trabalho, da cultura, da organização coletiva e da luta social. São práticas educativas que estão conectadas com a vida das crianças e da suas famílias, que buscam formar lutadores e lutadores de uma nova sociedade. Mesmo em condições precárias de estrutura física educam as crianças para a verdadeira vida. Desse modo, com organização e coletividade produzem saberes referente à sua realidade, porque “educação do campo: direito nosso, dever do Estado e compromisso da comunidade”.

Foto: Danielson Postinguer/Comunicação-MST

Trabalho de Assessoria de Comunicação Realizado com apoio 

Curso de Especialização em Realidade Brasileira – CRB: uma construção entre a UFFS, os Movimentos Sociais do Campo e o CEAGRO pela garantia do direito à educação para a classe trabalhadora

Por Jaine G. de Amorin 
Revisão Thaile V. Lopes

A conjuntura política e econômica que estamos vivendo na atualidade evidencia uma crise estrutural do capitalismo e uma ofensiva do capital internacional sobre as economias periféricas, em busca de recursos naturais, matérias-primas, energia e mercado, com o objetivo de aplicar um programa neoliberal (subordinando a política aos interesses do capital financeiro e das empresas transnacionais). As contradições e crises do sistema capitalista afetam o mundo inteiro e, sobretudo, a América Latina. No Brasil, vivemos uma grave crise econômica, política, social e ambiental, que afeta diretamente a classe trabalhadora, tendo em vista que,para aumentar a taxa de lucro e o processo de acumulação capitalista, a burguesia aumenta a exploração dos trabalhadores, retirando direitos históricos, como a CLT, por meio de medidas como a Reforma Trabalhista, a Reforma da Previdência, a terceirização e as privatizações. Diante disso, é importante para a classe trabalhadora entender que se há crise, mesmo quando difícil de ser solucionada, há possibilidade de mudanças. Para tanto, é necessário construir espaços e processos permanentes de estudo e análise da história e da realidade brasileira, e, a partir daí, traçar o caminho e ações coletivas para intervir nela criticamente, a fim de transformá-la.

Nessa perspectiva, considerando a importância do acesso ao conhecimento, para entender a realidade em que vivemos e elevar o nível cultural, educacional e de consciência da classe trabalhadora, a Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS, campus de Laranjeiras do Sul, por meio de uma parceria com os Movimentos Sociais do Campo (MST, MPA, MAB), APP Sindicato e o CEAGRO, construiu a proposta do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Realidade Brasileira. A especialização terá duração de 2 anos e funcionará em regime de alternância, com atividades pedagógicas e de estudo em tempo universidade e tempo comunidade. O tempo universidade possuirá três etapas presenciais (a primeira em janeiro de 2018, a segunda em julho de 2018 e a terceira em janeiro de 2019), que serão realizadas no CEAGRO, Unidade Vila Velha, em Rio Bonito do Iguaçu.

Foto: Jaine Amorin

A primeira etapa do curso iniciou na segunda-feira (22) e terá a duração de 10 dias, sendo 10 horas aulas/dia.

O ato de abertura do curso contou com a participação e falas dos professores coordenadores do curso pela UFFS, Roberto A. Finatto e Ana Cristina Hammel;do coordenador geral do Ceagro, Luis Carlos Costa; da Diretora de Campus da UFFS Laranjeiras do Sul, Janete Stoffel; bem como os representantes dos Movimentos Sociais.Todos afirmaram a importância da realização do curso, para a Universidade e para as organizações sociais que contribuem na construção do mesmo. A aula inaugural foi ministrada pela Professora Dra. Maria Orlanda Pinassi, da UNESP, que fez uma análise de conjuntura,da crise econômica e política do Neodesenvolvimentismo no Brasil.

Cumprindo com o pré-requisito do edital, a turma tem representantes de movimento sociais e organizações sindicais, sendo eles o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, Movimento dos Atingidos por Barragem – MAB, Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA e APP Sindicato. A turma é composta por 67 estudantes, desses, 45 receberão certificado de especialização (pós-graduação) e 22de extensão.

O MST compreende a educação como um dos direitos humanos fundamentais e como uma das suas principais bandeiras de luta, Nesse sentido, organizou 27 estudantes acampados/as ou assentados/as em áreas de reforma agrária para fazer o curso; Desses, 17 são acampados/as em áreas de conflito pela terra na região da Cantuquiriguaçu. Esses/as estudantes compreendem que  não basta apenas a conquista do direito à terra, mas que o direito a educação também é fundamental, pois o conhecimento é uma condição essencial para a luta da classe trabalhadora.

Em entrevista com Ciliana Federici (formada em pedagogia e receberá certificado de especialização), que é do Acampamento Herdeiros da Terra de I de Maio, coordenadora da Escola Itinerante Herdeiros do Saber e integrante do setor de educação do MST, a mesma destaca que esse curso vai contribuir na formação política e pedagógica dos militantes e também na construção da proposta educacional do MST, que nas palavras dela é “(…) uma proposta de educação que consiga dentro e fora da sala de aula, fazer com que os sujeitos pensem sobre a sociedade que eles estão vivendo (…)” e ainda ressalta que “o curso vem ajudar e muito na prática nossa, seja em sala de aula, na militância, ou em qualquer espaço (…), vem para que consigamos entender melhor a sociedade que estamos vivendo, e também ajudar o Movimento do qual fazemos parte, no ambiente onde convivemos, independente do setor ou coletivo que fazemos parte. O curso vem com o objetivo de interpretar a atual conjuntura, mas para além disso, compreendê-la pra tentar construir uma sociedade diferente que é o que sonhamos enquanto movimento!”

Federici ainda destaca a importância da presença de diversos movimentos sociais e sindicais, que para ela é uma grande experiência, pois cada organização tem na sua luta suas particularidades, no entanto, somos a classe trabalhadora e temos um mesmo ideal, que é a construção de uma nova sociedade. Conclui destacando a importância da UFFS ter aberto as portas para os estudantes não graduados, “aqui temos pessoas estudando que são formadas com curso superior e também tem aqueles que estão no acampamento,que são coordenadores de núcleo de base, isso é muito importante, cada um tem sua caminhada, mas todos querem adquirir o conhecimento e esta e uma grande oportunidade”.

O Professor Roberto A. Finatto, coordenador do curso, destaca que “a Especialização em Realidade Brasileira é fundamental para ampliar e aprofundar o conhecimento sobre a formação e a realidade socioespacial do Brasil” e socializa como foi a articulação da proposta de trabalho desse curso dentro da Universidade: “Foi realizado um esforço para articular a proposta de trabalhar a realidade brasileira com base em autores clássicos de diferentes disciplinas, com a disponibilidade e a formação do corpo docente do campus”. Complementa que “a oferta do curso aproxima ainda mais a universidade da realidade em que ela está inserida”.

Finatto ainda ressalta a importância dos movimentos sociais estarem presentes dentro da Universidade, desde o período de sua construção: “a presença dos movimentos sociais populares sempre foi marcante, inclusive no seu processo de constituição”.Ressalta a importância da turma ser composta por discentes que atuam em movimentos sociais e organizações sindicais. “A presença de professores das redes municipal e estadual de educação, representantes dos movimentos sociais e organizações sindicais entre os discentes amplia a abrangência das reflexões produzidas e permite que as mesmas cheguem até as escolas, comunidades e outros espaços de formação em que os estudantes do curso atuam.” Conclui Finatto.

O CRB é uma importante iniciativa que, além de possibilitar o estudo de autores clássicos brasileiros, como Florestan Fernandes, Caio Prado Júnior, Celso Furtado, dentre outros, apresenta a possibilidade de identificar as contradições da sociedade, como as forças do capital atuam em nosso país, para confrontá-las. Estamos em meio a uma crise sem precedentes na história e ainda não estão claros os caminhos e as construções possíveis. Mas teremos muitas mudanças pela frente, por isso é importante debater e a analisar quais ações devemos adotar de forma conjunta, como parte de um processo permanente de luta, estudo e análise da história e da realidade brasileira.